11 de setembro de 2008

Ídolo e fã: identidades misturadas

Matéria de Camila Diniz, Douglas Britto e Ana Raquel Samadello


Nos estádios de futebol ou nas casas de show não é difícil encontrar pessoas que fizeram verdadeiros sacrifícios para estar ali presentes. O momento perto do "objeto de desejo", para muitos, é nada menos do que uma conquista na vida. Muitos fazem disso parte da identidade própria e assumem aspectos peculiares da personalidade alheia.

É o caso do digitador Vlademir Dorigon, de 22 anos. Ele é fã de Star Wars, série de filmes de ficção criada por George Lucas no final da década de 70. Vlademir participa do 501st Legion, o único fã clube da saga reconhecido pela Lucasfilm, produtora responsável pela série. Pelos números, dá para ver que a saga cativa verdadeiras legiões.

São mais de 3.900 membros espalhados em 40 países. Para fazer parte, é preciso ter uma fantasia de algum personagem aprovada por uma equipe nos Estados Unidos. No caso, a persona adotada por Vlademir é um storm trooper, guarda das fortalezas imperiais e faz-tudo dos serviços do mal.

Como bom fã, Vlademir coleciona bonecos da série. Tem 22 miniaturas – desde Luke Skywalker até Darth Vader, passando por Mestre Yoda e companhia. Ele se diz um fã pé-no-chão. "Eu me considero um grande fã, não um fanático. Se você não curte, é sua opinião."

Embalado pela exposição dedicada à séria aberta no Parque do Ibirapuera, Vlademir aceitou o convite de uma rede de TV para passear no metrô com as fantasias da série junto com outros amigos aficionados. "Tinha gente que saía correndo quando nos via. As pessoas ficavam assustadas, admiradas, queriam tirar foto. Vai da ocasião", ele conta.

Outro fã da mesma série é o autônomo Marlon Moreira Ferreira, de 28 anos. Assim como Vlademir, Marlon faz parte do 501 Legion e também assume uma personagem de um storm truper. "Lembro de ainda criança assistir aos filmes, sentado na sala. Olhava aquelas naves pela televisão e achava tudo o máximo", comenta Marlon. Seu hobby é compartilhado pela família. Junto com ele, a esposa Sarah Helena ensaia uma fantasia, embora ainda não faça parte do fã clube. Além disso, eles se divertem deixando o filho caracterizado como os ídolos.

Apesar da diversão, Marlon vê alguns problemas na paixão pela série. "Você faz uma fantasia para entrar no fã clube. Mas, ao longo do tempo, você vai vendo outras e vai querendo sempre mais, vira um vício", comenta. O próximo passo, segundo ele, é fazer uma fantasia de Lord Sith, uma espécie de oficial do Império Galático. "Paixão gera custos", arremata.

Já a estudante universitária Ariane Dandara é apaixonada por música pop. No topo de suas preferências estão Madonna, Britney Spears, Justin Timberlake e Pink.
O mini-escritório da casa de Ariane é repleto de pôsteres de todos eles, mas ela pondera o vício. Se ela é uma fanática? "Sou e não sou", ela responde. "Não fico uma semana sem ver se eles lançam algo ou como está a carreira, mas não deixo de viver a minha vida por causa disso."
Ariane, que tem a letra das músicas na ponta da língua, admira a forma como cada um trata alguns temas, como drogas e sexo.

A estudante também conta que se vivesse nos Estados Unidos, não perderia a oportunidade de ir ao show de seus ídolos com freqüência. Assim como milhares de outros fãs, ela não se conforma com o fato deles virem ao Brasil tão raramente. "Eles não compreendem que aqui tem um enorme público que admira o trabalho deles e faria de tudo para vê-los", diz.

Um gosto um pouco diferente tem o químico Kauê Gomes Machado. Ele é apaixonado por automobilismo desde 1994, quando tinha cinco anos. De lá pra cá, acompanha as corridas assiduamente. "Meu domingo não existe", ele brinca. "Ou é comigo no autódromo ou é ouvindo corrida."

Porém, a Fórmula 1 não é sua categoria preferida. "Por incrível que pareça, prefiro Fórmula Indy", admite. Entre seus pilotos de estaque estão Gil de Ferran e Alex Zanardi. Por conta da paixão pelos carrões, Kauê aproveita para colecionar miniaturas e revistas sobre o assunto.
Kauê é uma espécie de ovelha negra. Na família dele, ninguém sequer suporta corridas. Então ele discute o assunto em fóruns e sites especializados, mas para ele, não é todo mundo que sabe das cosias. "Alguns até dão uns palpites, mas não entendem [de corrida], então nem dá para discutir, finaliza.


Equilíbrio no esporte é vantagem

Tricolor. Fenômeno. Timão. O Rei. Porco. Gaúcho. Peixe.

Estas são palavras conhecidas do vocabulário de quem ama futebol. E não diferente de fãs de ídolos do cinema e da música, torcedores de clubes brasileiros não passam despercebidos no quesito tietagem. Há quem não corte os cabelos durante campeonatos, ou os mais radicais que insistem em usar a mesma roupa íntima em dia de jogo. O motivo: eles garantem que dá sorte.
"Superstição não faz mal. Se a pessoa acredita que aquilo traz alguma coisa positiva e não prejudica ninguém, não tem problema", garante o psicólogo especializado em esportes, Raphael Zaremba. Ele mesmo já foi esportista profissional na adolescência, mas resolveu se dedicar à carreira médica. Aos 31 anos conseguiu conciliar a carreira e a paixão. "A Psicologia do Esporte permitiu unir útil ao agradável", diz Zaremba.

Sergio Oliveira, 34, conhecido como "Serginho ABC" é um dos diretores da subsede da Gaviões da Fiel (torcida organizada do Sport Club Corinthians Paulista) no ABC. "Meu clube é minha vida, minha história e meu amor. Sou da quinta geração de torcedores e associado há 22 anos", conta Oliveira. Ele garante que a paixão nunca atrapalhou sua rotina, mas já fez muito pelo time: "A maior loucura que fiz até hoje foi viajar 72 horas de ônibus pra ver o Timão jogar no Chile pela Libertadores, em 1997", conta.

A importância dada a uma atividade esportiva deve estar dentro do limite razoável de cada um. Mas há casos em que pessoas passam desse ponto. "O esporte mexe com emoções o tempo todo. Tanto para o atleta quanto para o torcedor. Porém, quando passa pra um ponto quando a pessoa sofre, fica deprimida, aí a pergunta é: será que tem essa importância toda?", questiona o psicólogo.

"Acho que sou fanática pelo Tricolor [São Paulo Futebol Clube]. Não posso perder um jogo, fico muito nervosa, falo até palavrão. Se perde fico nervosa, mas extasiada quando ganhamos. Na verdade, eu e meus irmãos sofremos e comemoramos juntos. Parece que isso une a gente", conta Pamela Moraes, 21.

A "paixão nacional" pode ser de família, por influência de amigos ou simpatia e a comoção é geral. Choram, gritam, torcem unidos. Para os jovens Rafael Diniz, 13, e Giulia Muneratto, 12, amigos e torcedores do Palmeiras, todo jogo é um evento. "O mais legal é ter todo mundo reunido torcendo para o time ganhar", fala Rafael.

O psicólogo explica: "Na multidão ou em grupo há uma série de comportamentos que talvez você isolado não fizesse. Mas, como está com milhares de pessoas ao seu redor com comportamentos parecidos, você é legitimado".


A VIDA EM JOGO - O fanatismo pelo esporte, assim como qualquer outra obsessão, está relacionado ao sofrimento humano, àquilo que pode lhe causar dor. Física ou emocional. "Quando seu sofrimento por um time desencadeia violência ou depressão, temos um problema", explica Zaremba.

"Muitos torcedores apaixonados vêem no esporte uma válvula de escape para muitas coisas", declara Zaremba. Ele explica que, para muitos torcedores fanáticos, o que está em jogo vai muito além de um campeonato. "O esporte é semelhante à nossa vida. No caso do futebol você vê sua vida em 90 minutos; existem adversário, que são aquelas pessoas que querem te atrapalhar, a autoridade representada no árbitro".

Porém, assim como na vida real, às vezes se ganha e outras vezes se perde. "A frustração para quem enxerga, sem saber, dessa forma é muito grande. A pessoa pensa ‘mais uma coisa na sua vida não deu certo’ e a tristeza é certa, porém, fora de propósito", esclarece o psicólogo.


MEU TIME, MEU AMOR - Aos 32 anos, o motorista José Cassundé Costa Segundo não titubeia e confessa: "Já faltei no trabalho para ver jogo do Timão. Hoje não faço mais isso, mas também não me arrependo". Ele e o irmão são corinthianos. Tão fanáticos que conseguiram convencer o pai, são-paulino, a mudar de time.

"Quando casei já avisei a minha mulher sobre minha paixão. Ela já acostumou e não tem ciúmes, mas reclama quando não quero sair porque tem jogo. Até consegui que fosse comigo em um jogo. Não gostou muito por causa da confusão, mas tudo bem". Ele complementa: "Depois da família, meu time é a coisa mais importante. Trabalho, dinheiro, tudo depois".

O sofrimento do torcedor apaixonado é grande e cada perda é um momento de decepção. "Sim, o seu clube do coração perde, mas sempre há um campeonato para suprir o outro. Nunca é um final definitivo, pois sempre há outra coisa acontecendo na outra semana", finaliza Zaremba.


Psicóloga explica os limites entre paixão e fanatismo


O termo fanático pode ser definido como "obcecado por alguma coisa" ou "aquele que possui um conteúdo obsessivo". É claro que nem todos que possuem uma paixão ou hobby devem se preocupar, porém é necessário tomar alguns cuidados para evitar que isso acabe consumindo boa parte do dia-a-dia e sempre buscar ajuda quando perceber que o sentimento já não faz assim tão bem.

A psicóloga com especialização em psicossomática, Sueli Moura Soares alerta. "No fanatismo, a pessoa acaba achando normal o seu próprio comportamento, por isso na maior parte das vezes ela demora a pedir ajuda. Isso depende muito da percepção e do estágio da patologia do paciente".

Segundo ela, na maior parte dos casos as pessoas acabam procurando o tratamento quando percebem que o seu fanatismo acaba gerando o que é chamado "zona de desconforto", ou seja outras pessoas se sentem incomodadas com suas atitudes.

O principal ponto a ser avaliado é quando a obsessão acaba fazendo com que o "eu racional" desapareça. São pessoas que criam uma espécie de personagem para viverem paralelamente ou fazem do seu fanatismo a sua razão de viver. "Quando uma grande torcida assiste a um jogo, grita e torce junto, aquele comportamento é considerado normal dentro daquela situação", diz Sueli. "Por meio disso cria-se um modo de agir quase instintivo, deixando de lado o seu próprio ser. Cria-se o que o psicólogo Jung [1875-1961] chamava de ‘sombra’, e isso faz com que a pessoa esqueça de si pelo menos por aquele momento", explica.

Ao contrário do que algumas pessoas acreditam o fanatismo não é hereditário. O que pode existir é uma carga genética, ou seja, a pessoa que convive com um fanático cria uma probabilidade maior de desencadear uma obsessão.

O comportamento fanático ou obsessivo pode se tornar a princípio uma neurose e, nos casos mais graves desencadear uma patologia séria. No primeiro caso, denominado por Sueli como "dentro do nível de normalidade", o tratamento é realizado com terapia psicológica.

Nos pacientes mais graves é necessário uma intervenção psiquiátrica e em determinados casos até medicamentos. "É muito dolorido mexer nesses conteúdos, é necessário criar uma zona de conforto para esse paciente para que possa ser trabalhado o emocional e então removido todo o processo de fanatismo", finaliza Sueli.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi!! o teu blog é muito interessante e me ajudou bastante no meu trabalho de sociologia sobre as loucuras que os fãs fazem por seus ídolos e o motivo por que eles fazem isso.
Não foi fácil pesquisar sobre o assunto e o teu blog me ajudou bastante com isso.

Greice Machado

Jéssica disse...

nuuussa meu boom seu blog!'
pegei algumas partes de sua postagem pra mim colocar na minha monografia que eu esto fazendo sobre a obesessão do fã pelo idolo